ASSOCIAÇÃO DE GRÊMIOS E ESTUDANTES DE
SALVADOR – AGES
NOTA PÚBLICA
“Tirem
às mãos dos nossos símbolos de resistência!”
A
Associação de Grêmios e Estudantes de Salvador – AGES, entidade de
representação dos estudantes secundaristas de nível fundamental, médio, técnico
e pré-vestibulandos da cidade do São Salvador, vem por meio desta nota oficial reafirmar
sua posição acerca dos seguintes fatos:
Na
terça-feira 29 de março de 2016 mais uma estudante negra foi vítima do racismo
institucional que infelizmente ainda impera em nossas instituições,
principalmente na rede educacional de ensino do Estado da Bahia. A estudante
Laís Correia de 16 anos, do Colégio Estadual Presidente Costa e Silva, na
cidade baixa, foi arbitrariamente impedida de ingressar nas dependências de uma
Instituição Pública simplesmente por usar um adereço que é um dos símbolos
histórico de resistência do povo negro: o turbante. Com base na Portaria nº
0557/2011, o vice-diretor da instituição de ensino, Prof.º Celso, constrangeu a
estudante pelo fato da mesma adotar o adereço, e além do constrangimento social
a qual a estudante foi submetida, também fizeram parte do repertório da
repressão da administração do Colégio até mesmo ameaças de processo por
supostas calúnias e difamações, pois, a mesma constrangida com o fato, resolveu
reagir de forma acertada ao denunciar o episódio em suas redes sociais e
acionar entidades de representação. Foi o que bastou para a causa de Laís e de
tantas outra(o)s estudantes que sofrem diariamente com o preconceito por usar o
turbante e diversas outras descriminação, ganhar repercussão e apoio dos colegas nas redes sociais e o então
arbitrário vice-diretor, abusar de sua autoridade.
Já
que o gestor se baseia na portaria da SEC para discriminar racialmente pelo uso
do adereço, resolvemos recorrer a mesma portaria e algumas leis vigentes no
país para a desconstrução deste discurso fajuto de “regras são regras e ponto”,
de acordo com as próprias interpretações.
O
inciso II do artigo 4º da Portaria nº 0557/2011 não deixa dúvidas: “o uso de peças de vestuários distintas do
uniforme escolar descrito nos artigos 2º e 3º desta Portaria, por motivo de
etnia ou religião do estudante ou, ainda, quando a justificativa residir em
razões de saúde ou em face de situações de calamidade pública, catástrofes,
desastres ou outras situações de caso fortuito ou força maior”.
O
Inciso III do mesmo artigo é ainda mais claro: “o uso de adereços como componentes do vestuário, desde que a motivação
resida na preservação dos valores, crenças, culturas e etnias.”, ou seja,
ao recorrermos à história da cultura afro, podemos perceber que o turbante
surge para o movimento negro como um resgate da estética e da cultura dos
ancestrais e politicamente, simboliza a resistência cultural dos descendentes
dos africanos escravizados no Brasil. Para além disso, os turbantes e torços
também têm forte papel nas religiões de matriz africana, como forma de proteger
o Ori, que caso o vice-diretor não saiba o que significa, é um importante
conceito metafísico espiritual e mitológico para os Yorubás, identificado no
jogo do merindilogun pelo odu ossá e representado materialmente pelo candomblé,
através do assentamento sagrado denominado Igba Ori, portanto, o uso do turbante não deixa – nem de longe
– de exigir o que a própria Portaria prega quando refere-se a preservação dos
valores, crenças, culturas e etnia.
Mas
para além da tão aclamada Portaria, que na verdade é usada de forma subjetiva
por gestores racistas com o intuito de reprimir estudantes que usam turbantes,
recorreremos a uma legislação ainda maior, trata-se da Lei 10.639/03 que
estabelece novas diretrizes curriculares para o estudo da história e cultura
afro-brasileira e africana, onde por exemplo, é tarefa tanto dos professores,
quanto dos gestores, ressaltar em sala de aula a cultura afro-brasileira como
constituinte e formadora da sociedade brasileira, na qual os negros são
considerados como sujeitos históricos, valorizando-se, portanto, a cultura, os
costumes e as religiões de matrizes africanas. Podemos afirmar com toda propriedade,
portanto, que tanto a Secretaria da Educação do Estado da Bahia, quanto a
administração do Colégio Estadual Presidente Costa e Silva, desrespeitaram a
Lei e isso certamente é passivo de uma representação coletiva no Ministério Público do Estado da Bahia e órgãos competentes,
medida esta que não deixa de ser avaliada tento em vista a persistência e existência
do racismo institucional, onde o caso de Laís não é um fato isolado e sim mais
de vários, e já que é pra punir, que para além do constrangimento público o
gestor seja enquadrado na forma da lei no que diz respeito ao crime de racismo,
e como a estudante é de menor, que se aplique as sanções do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA,
para salvaguardar preservando a integridade da estudante e sua condição social
perante a sociedade.
Como
se não bastasse desconhecer a legislação vigente, o vice-diretor Celso, na
manhã desta sexta-feira 1º de Abril de 2016, ao reunir-se com a estudante Laís Correia junto ao seu
responsável, a presidenta da AGES, Catarina Bahia, o presidente do Grêmio
Estudantil da Instituição, Antônio Millet e a secretária geral da AGES,
Stephane Souza, para discutir a
repercussão do fato, mostrou-se a todo instante impaciente, chegando ao nível
de insinuar que “medidas seriam tomadas fora da Escola” na tentativa de
intimidar os todos presentes na reunião, além de ficar perceptível que a todo
instante havia um processo de manipulação de interpretação da Portaria e das
leis vigentes a seu favor numa tentativa sem sucesso de justificar as suas
atitudes, como também, explicitando o abuso de autoridade de sua parte,
chegando a apelar inclusive, para a pressão psicológica da jovem e do seu
responsável com as alegações de que estaria sendo caluniado e difamado e que
ele abriria um processo judicial para isso.
Este tipo de atitude não será tolerado, nem da
parte do gestor em questão, muito menos das tentativas de explicações
superficiais da Secretaria da Educação que em nota à imprensa baiana, acusa a
estudante de se retirar da Escola por vontade própria, quando na verdade, foi o
próprio vice-diretor Celso, que barrou arbitrariamente sua entrada. O Governo
da Bahia através da SEC diante de tal situação deveria ter o mínimo de respeito
a situação constrangedora pela qual foi submetida a estudante, que sofreu sim
crime de racismo, fato grave e que é previsto no Código Penal Brasileiro, ao
invés de defender a indefensável e a imoral postura do então vice-diretor que
além de cumprir tal papel, ainda carrega consigo a formação de educador, porém,
neste caso cumpriu o infeliz papel do opressor.
A
Secretaria da Educação deveria também dedicar tais esforços para a
implementação efetiva da Lei 10.639/03, a fim de ajudar a formar a consciência
de estudantes, gestores e professores na Bahia para com a cultura e os costumes
de matriz africana, pois, são muito, muito raras as Escolas Públicas em todo o
Estado que aplicam a lei da afroeducação em sua grade curricular, com tudo o
que buscamos e lutamos é para que nossas história e a resistência e luta do
povo negro, não seja lembrada nas instituições de ensino apenas no dia 20 de
novembro, mais sim em todos os dias.
Temos a clara compreensão de que houve sim crime
de racismo e que as medidas cabíveis devem, sem exceções, serem tomadas em
respeito a história, a tradição, aos direitos conquistas e a resistência do
povo negro no combate ao racismo e a intolerância religiosa, por isso,
convocamos o conjunto dos estudantes secundaristas de São Salvador para ampliar
ainda mais o TURBANAÇO a partir da próxima semana como trincheira de
resistência a mais este típico caso de racismo institucional para que não se repita
no espaço da produção do saber a opressão pela qual foram submetidos nossos
antepassados.
A desinformação e a omissão não irão prevalecer e
juntos, iremos resistir para que não encostem em nossos símbolos de resistência
e luta a qual buscamos por reparação histórica.
Esta
nota tem a finalidade de denunciar os remendos continuados do fato e de prestar
os devidos esclarecimentos acerca da interpretação da portaria 0557/2011,
legislação vigente, da leia 10.639/03, estatuto da igualdade racial e da
Criança e do Adolescente, contrapondo a nota pública da Secretaria da Educação
sobre o fato.
Saudações
Democráticas e Estudantis,
Salvador,
1º de Abril de 2016
Direção
da Associação de Grêmios e Estudantes de Salvador – AGES
Acompanhe a mobilização dos estudantes pelo álbum de fotos do TURBANAÇO no link baixo;
https://www.facebook.com/media/set/?set=a.1352676071424493.1073741833.408860892472687&type=3