Um quadro branco e preto com o rosto do baiano Carlos
Marighella, sobre um armário na sala da diretoria, dá novos ares a uma escola
no bairro do Stiep. No mural, atrás da mesa da diretora Aldair Almeida, um
cartaz também exibe o rosto do revolucionário, morto em 1969, durante o governo
do militar Emílio Garrastazu Médici. Sinais de que, em breve, uma mudança
definitiva se instalará por ali. Desde fevereiro deste ano, o antigo Colégio
Estadual Presidente Emílio Garrastazu Médici atende pelo nome de Colégio
Estadual Carlos Marighella.
No recém-renomeado Carlos Marighella, muita coisa mudou,
desde o fardamento até o comportamento de funcionários, alunos e professores.
No dia 11 de abril, a fachada, hoje um muro amarelo, ganhará o nome do revolucionário,
desfecho de uma mudança que começou no final do ano passado.
“Quando eu vi as fotos das torturas e vi o que acontecia
depois do AI-5, eu fiquei um pouco chocado com quem foi o presidente Médici.
Quando a escola fez o plebiscito, colocaram duas opções de novos nomes: o de
Marighella e o de Milton Santos. Escolhemos Marighella”, conta o estudante
Bruno Medeiros, 18 anos, que acompanhou o processo de mudança com entusiasmo.
O projeto apresentado pelo colégio à Secretaria de Educação
do Estado (SEC), que atende a mais de mil alunos dos ensinos fundamental,
médio e profissionalizante, partiu de professores e da diretoria, mas motivou
os estudantes. Até o desejo de mudança, concretizado com um plebiscito em
dezembro de 2013, boa parte dos alunos sequer sabia quem era Médici ou
Marighella. “A professora Carmem, de Sociologia, fez trabalhos. A
gente pesquisou. Agora, a gente já sabe”, diz Jaqueline Santana, 13, aluna da
7ª série.
Segundo a diretora Aldair Almeida, o processo passou por uma
conscientização. “Trouxemos para a comunidade um novo conhecimento sobre o
presidente Médici como ditador e também de personalidades que foram indicadas.
As pessoas escolheram o nome que representava o oposto da ditadura, a negativa
completa”, explica.
Embora sinalize a permanência, ainda que simbólica, de raízes
do regime militar brasileiro, escolas e outros espaços públicos continuam a
levar nomes de ditadores. Somente em Salvador, quatro colégios mantêm as
homenagens aos presidentes do período.
O general Médici, cujo período de mandato - de 1969 a 1974 -
ficou conhecido como Anos de Chumbo, ainda dá nome a uma escola municipal, em
Paripe. Também há a Escola Municipal Presidente Castelo Branco, no Uruguai,
além de duas estaduais: Costa e Silva, na Ribeira, e Humberto de Alencar
Castelo Branco, em Periperi.
A proposta pioneira do Carlos Marighella não ficou apenas no
Stiep. Mais duas escolas estaduais em Salvador já começam a se mobilizar para trocar
o nome. É o caso do Costa e Silva, na Ribeira, e do Castelo Branco, em
Periperi. Este, inclusive, já tem data para aprovar ou não a mudança na
nomenclatura: o dia 25 de abril.
Col. Est. Presidente Castelo Branco, em periperi. |
A
proposta é que o Castelo Branco, que tem quase dois mil alunos, passe a se
chamar Colégio Estadual Nelson Mandela. “Já lançamos desde dezembro para a
comunidade escolar a proposta da mudança, por conta de toda a história e do que
ele (Mandela) fez e também a nossa realidade, que é o bairro de Periperi, de
negros, de exclusão social. Tem a questão da autoestima”, salienta a diretora
Olívia Costa. Em 15 de abril, outra audiência já está marcada.
Diretor do Costa e Silva desde 2007, o professor Jener Freire
diz que a maioria dos alunos da escola desconhece a figura do marechal que
presidiu o Brasil entre 1967 e 1969. Eles também não questionam o fato.
“Raramente se interessam, poucos questionam isso e a maioria nem sabe quem foi
um ou outro”, diz.
Mas o desejo de mudar o nome do colégio é antigo. Antes de
ser escola, o prédio no Largo da Madragoa abrigava o Convento de Santa
Bernadete, que teve como interna Irmã Dulce. Segundo Jener, as freiras foram
expulsas pelo próprio Costa e Silva.
Col. Est. Costa e Silva |
Por
esse motivo, um dos possíveis nomes a serem apresentados pela diretoria é o da
Santa Bernadete. A escola também estuda homenagear Irmã Dulce, Paulo Freire,
Abdias do Nascimento e o próprio bairro da Ribeira. O diretor disse que fará a
proposta ainda este mês, quando a reforma do auditório for concluída. “O que
existia antes era a dificuldade de fazer. A partir do momento que a Garrastazu
Médici fez e a gente viu que não foi tão doloroso, ficou fácil”, diz.
Vice-presidente do grêmio e diretor da AGES, o estudante do
4º ano do curso profissionalizante de Técnico em Enfermagem, Tasciano Silva,
19, se mostra pronto para trabalhar a ideia junto aos colegas. “A escola é um
santuário democrático, não pode ter o nome de um ex-ditador. Já pensou se a
Alemanha tivesse escolas com o nome de Adolf Hitler?”, questiona.
O secretário estadual da Educação, Osvaldo Barreto, afirma
que o governo não faz a mudança diretamente, mas incentiva as unidades que
desejam fazer. “Quando a escola tem um nome que é colocado pela comunidade dá
um sentimento maior de pertencimento. Se tem uma figura que as pessoas
respeitam, até o desempenho (estudantil) pode ser afetado”, argumenta.
É pauta política prioritária da AGES neste ano letivo, lutar
junto aos estudantes das Escolas que ainda permanecem com nomes de ditadores do
regime militar, para que seja mudado os nomes de todas as escolas que se
encaixam nessa características na cidade.
A mudança do nome de uma escola precisa ser discutida pela comunidade
escolar. Em seguida, é feita uma votação. O resultado é aprovado pelo
colegiado, que envia ata à SEC solicitando a mudança. A pasta elabora e publica
a portaria com a alteração.
Parte desta matéria está publicada oficialmente no Correio da Bahia.
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