sábado, 2 de abril de 2016

NOTA PÚBLICA “Tirem às mãos dos nossos símbolos de resistência!”

ASSOCIAÇÃO DE GRÊMIOS E ESTUDANTES DE SALVADOR – AGES

NOTA PÚBLICA

“Tirem às mãos dos nossos símbolos de resistência!”


A Associação de Grêmios e Estudantes de Salvador – AGES, entidade de representação dos estudantes secundaristas de nível fundamental, médio, técnico e pré-vestibulandos da cidade do São Salvador, vem por meio desta nota oficial reafirmar sua posição acerca dos seguintes fatos:

Na terça-feira 29 de março de 2016 mais uma estudante negra foi vítima do racismo institucional que infelizmente ainda impera em nossas instituições, principalmente na rede educacional de ensino do Estado da Bahia. A estudante Laís Correia de 16 anos, do Colégio Estadual Presidente Costa e Silva, na cidade baixa, foi arbitrariamente impedida de ingressar nas dependências de uma Instituição Pública simplesmente por usar um adereço que é um dos símbolos histórico de resistência do povo negro: o turbante. Com base na Portaria nº 0557/2011, o vice-diretor da instituição de ensino, Prof.º Celso, constrangeu a estudante pelo fato da mesma adotar o adereço, e além do constrangimento social a qual a estudante foi submetida, também fizeram parte do repertório da repressão da administração do Colégio até mesmo ameaças de processo por supostas calúnias e difamações, pois, a mesma constrangida com o fato, resolveu reagir de forma acertada ao denunciar o episódio em suas redes sociais e acionar entidades de representação. Foi o que bastou para a causa de Laís e de tantas outra(o)s estudantes que sofrem diariamente com o preconceito por usar o turbante e diversas outras descriminação, ganhar repercussão e apoio dos colegas nas redes sociais e o então arbitrário vice-diretor, abusar de sua autoridade.

Já que o gestor se baseia na portaria da SEC para discriminar racialmente pelo uso do adereço, resolvemos recorrer a mesma portaria e algumas leis vigentes no país para a desconstrução deste discurso fajuto de “regras são regras e ponto”, de acordo com as próprias interpretações.
O inciso II do artigo 4º da Portaria nº 0557/2011 não deixa dúvidas: “o uso de peças de vestuários distintas do uniforme escolar descrito nos artigos 2º e 3º desta Portaria, por motivo de etnia ou religião do estudante ou, ainda, quando a justificativa residir em razões de saúde ou em face de situações de calamidade pública, catástrofes, desastres ou outras situações de caso fortuito ou força maior”.

O Inciso III do mesmo artigo é ainda mais claro: “o uso de adereços como componentes do vestuário, desde que a motivação resida na preservação dos valores, crenças, culturas e etnias.”, ou seja, ao recorrermos à história da cultura afro, podemos perceber que o turbante surge para o movimento negro como um resgate da estética e da cultura dos ancestrais e politicamente, simboliza a resistência cultural dos descendentes dos africanos escravizados no Brasil. Para além disso, os turbantes e torços também têm forte papel nas religiões de matriz africana, como forma de proteger o Ori, que caso o vice-diretor não saiba o que significa, é um importante conceito metafísico espiritual e mitológico para os Yorubás, identificado no jogo do merindilogun pelo odu ossá e representado materialmente pelo candomblé, através do assentamento sagrado denominado Igba Ori, portanto, o uso do turbante não deixa – nem de longe – de exigir o que a própria Portaria prega quando refere-se a preservação dos valores, crenças, culturas e etnia.

Mas para além da tão aclamada Portaria, que na verdade é usada de forma subjetiva por gestores racistas com o intuito de reprimir estudantes que usam turbantes, recorreremos a uma legislação ainda maior, trata-se da Lei 10.639/03 que estabelece novas diretrizes curriculares para o estudo da história e cultura afro-brasileira e africana, onde por exemplo, é tarefa tanto dos professores, quanto dos gestores, ressaltar em sala de aula a cultura afro-brasileira como constituinte e formadora da sociedade brasileira, na qual os negros são considerados como sujeitos históricos, valorizando-se, portanto, a cultura, os costumes e as religiões de matrizes africanas. Podemos afirmar com toda propriedade, portanto, que tanto a Secretaria da Educação do Estado da Bahia, quanto a administração do Colégio Estadual Presidente Costa e Silva, desrespeitaram a Lei e isso certamente é passivo de uma representação coletiva no Ministério Público do Estado da Bahia e órgãos competentes, medida esta que não deixa de ser avaliada tento em vista a persistência e existência do racismo institucional, onde o caso de Laís não é um fato isolado e sim mais de vários, e já que é pra punir, que para além do constrangimento público o gestor seja enquadrado na forma da lei no que diz respeito ao crime de racismo, e como a estudante é de menor, que se aplique as sanções do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, para salvaguardar preservando a integridade da estudante e sua condição social perante a sociedade.

Como se não bastasse desconhecer a legislação vigente, o vice-diretor Celso, na manhã desta sexta-feira 1º de Abril de 2016, ao reunir-se com a  estudante Laís Correia junto ao seu responsável, a presidenta da AGES, Catarina Bahia, o presidente do Grêmio Estudantil da Instituição, Antônio Millet e a secretária geral da AGES, Stephane Souza,  para discutir a repercussão do fato, mostrou-se a todo instante impaciente, chegando ao nível de insinuar que “medidas seriam tomadas fora da Escola” na tentativa de intimidar os todos presentes na reunião, além de ficar perceptível que a todo instante havia um processo de manipulação de interpretação da Portaria e das leis vigentes a seu favor numa tentativa sem sucesso de justificar as suas atitudes, como também, explicitando o abuso de autoridade de sua parte, chegando a apelar inclusive, para a pressão psicológica da jovem e do seu responsável com as alegações de que estaria sendo caluniado e difamado e que ele abriria um processo judicial para isso.

 Este tipo de atitude não será tolerado, nem da parte do gestor em questão, muito menos das tentativas de explicações superficiais da Secretaria da Educação que em nota à imprensa baiana, acusa a estudante de se retirar da Escola por vontade própria, quando na verdade, foi o próprio vice-diretor Celso, que barrou arbitrariamente sua entrada. O Governo da Bahia através da SEC diante de tal situação deveria ter o mínimo de respeito a situação constrangedora pela qual foi submetida a estudante, que sofreu sim crime de racismo, fato grave e que é previsto no Código Penal Brasileiro, ao invés de defender a indefensável e a imoral postura do então vice-diretor que além de cumprir tal papel, ainda carrega consigo a formação de educador, porém, neste caso cumpriu o infeliz papel do opressor.

A Secretaria da Educação deveria também dedicar tais esforços para a implementação efetiva da Lei 10.639/03, a fim de ajudar a formar a consciência de estudantes, gestores e professores na Bahia para com a cultura e os costumes de matriz africana, pois, são muito, muito raras as Escolas Públicas em todo o Estado que aplicam a lei da afroeducação em sua grade curricular, com tudo o que buscamos e lutamos é para que nossas história e a resistência e luta do povo negro, não seja lembrada nas instituições de ensino apenas no dia 20 de novembro, mais sim em todos os dias.
Temos a clara compreensão de que houve sim crime de racismo e que as medidas cabíveis devem, sem exceções, serem tomadas em respeito a história, a tradição, aos direitos conquistas e a resistência do povo negro no combate ao racismo e a intolerância religiosa, por isso, convocamos o conjunto dos estudantes secundaristas de São Salvador para ampliar ainda mais o TURBANAÇO a partir da próxima semana como trincheira de resistência a mais este típico caso de racismo institucional para que não se repita no espaço da produção do saber a opressão pela qual foram submetidos nossos antepassados.

A desinformação e a omissão não irão prevalecer e juntos, iremos resistir para que não encostem em nossos símbolos de resistência e luta a qual buscamos por reparação histórica.

Esta nota tem a finalidade de denunciar os remendos continuados do fato e de prestar os devidos esclarecimentos acerca da interpretação da portaria 0557/2011, legislação vigente, da leia 10.639/03, estatuto da igualdade racial e da Criança e do Adolescente, contrapondo a nota pública da Secretaria da Educação sobre o fato.   
Saudações Democráticas e Estudantis,

Salvador, 1º de Abril de 2016


Direção da Associação de Grêmios e Estudantes de Salvador – AGES



Acompanhe a mobilização dos estudantes pelo álbum de fotos do TURBANAÇO no link baixo;

https://www.facebook.com/media/set/?set=a.1352676071424493.1073741833.408860892472687&type=3

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